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quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A verdadeira Guaribas do Fome Zero

Guaribas está estagnada. A cidade que hoje sofre com a falta da safra agrícola - com exceção do milho, que este ano teve colheita abaixo da média - não possui obras nem empregos. A população está encolhendo. De acordo com o Secretário de Administração do município piaiuense, em dois anos, dos 5.814 habitantes, cerca de 1.500 - mais de 25% da população - deixaram a cidade em busca de trabalho.

As informações abaixo foram tiradas de duas reportagens: uma da revista Rolling Stone, de novembro de 2007 (primeiro ano do segundo mandato do presidente Lula) e outra bem mais recente, publicada em agosto de 2010, na Tribuna do Piauí:

Obra monumental e frenesi
O sonho de Guaribas tornar-se uma cidade de oportunidades ficou pra trás, mas, não sem antes deixar uma cicatriz na memória dos moradores que viram no Fome Zero a oportunidade de transformarem suas vidas.Também não havia como não acreditar, afinal, no começo do programa, em 2003, o frenesi na cidade era grande. Foram dias, meses e anos de grandes movimentações. Eram muitas obras em andamento - telefonia, sistema de canalização de água, calçamentos, prédios públicos, lanchonetes, hotéis. Até mesmo um memorial para o Fome Zero foi erguido em Guaribas. A idéia era levar o presidente Lula para inaugurar.

A obra, que tem aspecto de monumental, foi abandonada antes de concluída. O mesmo aconteceu com o hotel, os calçamentos, a estrada. Ah! Quanta indignação a falta dessa estrada provoca na cidade. “Quem é que não sabe que sem estrada não há desenvolvimento?”, pergunta o secretário de administração, que atribui o fracasso do Fome Zero à falta de planejamento. “O governo montou aqui uma administração paralela e depois abandonou tudo”, revela. (...) O escritório da empresa do governo responsável por todas as obras, a Emgerpi, se encontra fechado há mais de um ano. O imóvel foi abandonado com um considerável patrimônio em seu interior e seu proprietário, Manoel Gomes, lacrou as portas alegando que não recebe o pagamento do aluguel desde o ano passado". (Tribuna do Piauí)

"Vitrine"
Guaribas, a 653 km de Teresina, ficou conhecida internacionalmente por ser vitrine do maior programa social do começo do Governo Lula, o “Fome Zero”. A meta dos técnicos do governo era superar, em um prazo de seis anos, 77% dos indicadores de pobreza. "Esperamos que as pessoas possam se alimentar adequadamente, contar com água potável, ter acesso a iluminação, coleta de lixo e educação", afirmou, na época, o governador Wellington Dias (PT). No entanto, na pequena cidade, nem os problemas mais básicos que penalizam seus moradores foram resolvidos.

O abandono, o descaso e o drama da seca continuam na zona rural, onde estão dois terços da população do município. No pequeno vilarejo do Barreiro, por exemplo, lugar onde tentam sobreviver cerca de 40 famílias, falta água até para os idosos e as crianças. Na estação seca, as pessoas são obrigadas a percorrer trilhas arenosas até o interior do Parque Nacional Serra das Confusões, para coletar água de uma pequena fonte natural que também é disputada pelos animais selvagens da reserva.

No período das chuvas, quando o reservatório que dá nome ao lugar consegue acumular água, todas as famílias da região bebem do barreiro. A água, sem a mínima qualidade para o consumo humano, tem um tom acinzentado, e apesar de parte do reservatório ser cercado, ali também tentam matar a sede os cachorros, porcos e jumentos dos moradores. Aliada à desnutrição, é a ingestão dessa água suja que eleva a taxa e explica a alta mortalidade de crianças no Nordeste. Grande parte das famílias conta casos de crianças doentes por beber dessa água e muitas das mulheres do Barreiro relatam ter perdido ao menos um filho em conseqüência da péssima qualidade do produto. (Rolling Stone - 2007)

Segundo dados da ONU, cerca de 1 milhão de pessoas vivem em condições semelhantes no semi-árido brasileiro, que compreende 1.447 municípios. 58 em cada mil recém-nascidos morrem antes de completar um ano, contra uma média nacional de 26 crianças. Os óbitos, segundo especialistas, podem ser até duas vezes maiores do que os números oficiais, uma vez que muitas das crianças não têm certidão de nascimento e, logo, as mortes não são computadas nas estatísticas.

Sem outra opção, em muitos lugares do semi-árido piauiense, incluindo as vilas mais distantes de Guaribas, os sertanejos estão utilizando recursos do Bolsa Família para comprar água. Quem confirma a informação é o presidente da Federação dos Trabalhadores em Agricultura do Piauí (Fetag), Evandro Luz, que considera um escândalo essa situação. "Tomamos conhecimento de que as famílias estão se cotizando para comprar água de carro-pipa para não beber lama. Mas o único dinheiro que eles têm é do Bolsa Família, que deveria garantir o sustento alimentar. A água é uma obrigação do poder público", denuncia.

Assistencialismo e clientelismo
Com exceção da adutora que levou água para a cidade e da pavimentação de algumas ruas e praças que melhoraram o aspecto urbano do município, quase meia década depois do lançamento do programa Fome Zero em Guaribas, a maior obra realizada no lugarejo não teve recursos do governo Lula. Ao contrário, foi uma ação da iniciativa privada: a construção de uma unidade educacional do Serviço Social do Comércio (SESC), implantado em 2004 e que atua na melhoria da qualidade de vida através da escolarização de jovens e adultos. O espaço dispõe de uma biblioteca e 52 estudantes com idades que vão de 15 a 80 anos compõem duas turmas em funcionamento.

Dados oficiais mostram que, de 2003 a 2007, foram transferidos R$ 24,8 bilhões à população de baixa renda. Porém, segundo a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Maria Carmelita Yasbek, apesar da transferência de recursos, não se pode esquecer que décadas de clientelismo consolidam no Brasil uma cultura que não tem favorecido a emancipação dos usuários das políticas sociais, especialmente os mais pobres. "Permanecem nas políticas de enfrentamento à pobreza brasileira concepções e práticas assistencialistas, clientelistas e patrimonialistas”.

Fonte : Tribuna do Piaui

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