Tenho uma centena de excelentes razões para isso. Mas, acima de tudo, Serra significa libertação de ranços ideológicos anacrônicos em favor de uma mentalidade arejada. Ao cultivar a sensibilidade e humanidade semeadas na pobreza honrada daquela Mooca que jamais traiu, uma vez no poder, continua próximo das pessoas simples. Inventaram a falsa lenda de sua “seriedade”, confundida maldosamente com a educação severa do menino pobre que foi. Albert Camus saberia explicar melhor a qual injustiça instrumental me refiro.
Conheci-o quando era prefeito de São Paulo, em casa de um amigo comum. “Indormível”, como o definiram no Twitter (lança mão de tudo que o aproxime das pessoas comuns), apareceu repentinamente na madrugada, prazer anti-protocolar desfrutado quando lhe é permitido. Conversamos sobre os problemas de nossa sociedade, sobre a Itália, sobre comida, sobre Pirandello, sobre… teatro e cinema (!). Desde então, nos comunicamos com frequência. Fiquei feliz com a simpática sem-cerimônia política desse relacionamento.
Entre a gente de esquerda - a que meu ideário artístico é mais próximo - jamais conheci político - culto - com a mente tão aberta ao diálogo. Artistas e políticos ligados ao nosso meio são, quase todos, parte inerte de aparelhos ideológicos, de direita ou de esquerda; gente que faz o que lhes é ordenado, sem pensar, sem meio átimo de reflexão. Artistas submetidos cegamente a qualquer poder que lhes permita produzir a "própria arte". Artistas submetidos ao silêncio, auto-imposto pelo medo de “ficar de fora”. São artistas, esses? Não, se entendermos um artista como uma pessoa que trabalha com relações humanas.
Fui estudar e trabalhar na Itália porque sonhava uma escola de teatro frequentável por quem não pode pagar mensalidades. Uma escola central e acessível a quem vive na periferia, privado de qualquer perspectiva existencial e cultural, onde secularmente estão confinados os reais explorados do Brasil. Uma escola técnica, com aulas em horário e condução pública praticáveis, longe de preconceitos e ideologias. Um bem público de verdade, em suma.
Serra criou essa escola e outras iniciativas educativas dessa natureza, em ritmo constante e sem lesionar meios. Aloca o dinheiro e o poder sistematicamente no lugar certo, não se pode negar a evidência. Age na direção de um projeto para uma nação de futuro, de cultura, de real educação popular. É revolucionário propor o aprendizado de linguagem a quem foi hipocritamente proibido de contar seu sofrimento e felicidade. Atualmente o fazem (mal, ao tratar a coisa como faroeste) seus “artistas” da classe média pra cima, aquilo que puderam estudar em escolas de elite. De esquerda e de direita, repito. Porque ele viveu isso na pele e tem formação qualificada, não passa um segundo sem realizar tais ações de governo. As viabiliza ao ser capaz de agregar pessoas livres, além de legitimamente ambicioso. O poder para ele não é um projeto vazio; é um instrumento radical. Nada mais. Serra ara a terra do futuro. A terra da arte também. O Brasil vai se lembrar disso. Enquanto cidadão, artista e professor, voto e acredito em José Serra porque ele me representa de verdade.
Maurício Paroni de Castro
Diretor de teatro, roteirista e professor
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